A justiça holandesa e ESG no Brasil

21 de junho de 2021 Off Por Ray Santos
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Por Nelmara Arbex e Raphael Soré

Uma recente determinação do tribunal de Haia na Holanda sobre a responsabilidade corporativa nas mudanças climáticas é revolucionária e abre um novo capítulo na história da relação entre empresas e sociedade.
A importância da adesão das empresas à agenda de regeneração ambiental, promoção dos direitos fundamentais, transparência e ética não é novidade. Quase diariamente nos últimos anos, as páginas dos jornais trazem novos argumentos e dados que evidenciam o fato de que a prosperidade futura de todos passará invariavelmente por esse caminho.
Os movimentos para indução no sentido dessa forma de gestão – resumida sob a já conhecida sigla em inglês ESG (meio ambiente, social e governança)- são diversos. Bancos de investimento e grandes fundos passaram a ter critérios ESG para avaliar riscos e decidirem onde investir e trabalhadores e consumidores demonstraram que a performance socioambiental das empresas são e serão cada vez mais centrais para a atração de talentos e de clientes, especialmente, para a nova geração digital.
Nos últimos dias, um elemento novo e revelador foi adicionado a essa equação. O tribunal distrital de Haia, na Holanda, determinou que uma empresa petrolífera com sede no país reduzisse as emissões de carbono em 45% até 2030. A ação foi de autoria de uma entidade ambientalista que alegou que a produção de petróleo e gás da empresa contribuiu para as mudanças climáticas que levou à degradação da qualidade de vida de muitos, criando para essa companhia um dever de cuidar dos afetados por tais mudanças. Ao não fazer isso, a organização estaria deixando de cumprir com as obrigações relacionadas os direitos humanos, abrindo assim precedente para outros procedimentos jurídicos.
Apesar de atinente a uma legislação local e a um caso específico, o julgamento é inovador na medida em que aborda a agenda de responsabilidade socioambiental empresarial não apenas sob uma perspectiva de boa prática optativa, mas que tem consequências no cotidiano das pessoas e, assim, passa a ser uma obrigação legal.
A estipulação de metas obrigatórias para a redução de emissões de carbono não é tema novo no direito, tendo sido tratado no âmbito do direito internacional público, mas apenas para os países signatários do Tratado de Paris que se comprometeram a reduzir esses patamares. As empresas não são parte desse tratado e não estariam, em tese, por ele obrigadas. Mas, isso pode mudar. Fato é que todos os dias centenas de organizações são condenadas em cortes brasileiras e estrangeiras por danos ao meio ambiente ou aos direitos sociais, como os relacionados às questões trabalhistas, por exemplo. Porém, em todos esses casos a responsabilidade jurídica da empresa está relacionada à reparação de um dano causado ou a um ilícito cometido, especificamente, por ela ou seja, a responsabilidade da empresa está umbilicalmente ligada ao descumprimento de alguma legislação a que ela está sujeita.
É nesse ponto que a decisão holandesa é revolucionária. O tribunal de Haia não condenou a empresa a reparar um ilícito que ela tenha praticado, mas sim reconheceu que, por se engajar em uma prática historicamente poluente, ela tem uma responsabilidade social que transcende ao fato de simplesmente cumprir as leis e regulamento editados pelo estado holandês.
Durante todo o século XX, foram editadas normas focadas na proteção ao meio ambiente e na promoção dos direitos fundamentais que trouxeram profundo impacto na atividade empresarial. Com isso, as organizações se viram crescentemente obrigadas a cumprir requisitos regulatórios cada vez mais estritos. O que a decisão holandesa faz, porém, é mais do que apertar a regulação. Ela efetivamente diz que cumprir a regulação não é suficiente.
Dessa forma, a legislação rompe com o paradigma de que as obrigações empresariais em direitos humanos dependem de mediação estatal, reconhecendo que corporações devem satisfação não apenas à lei, mas direta e efetivamente à toda sociedade. No julgamento da causa, inclusive, a juíza holandesa foi expressa nesse sentido, tendo apontado que mesmos que os países façam nada ou muito pouco, as companhias possuem uma responsabilidade de respeitar os direitos humanos e têm uma responsabilidade independente, apartada daquela que os estados possuem.
Naturalmente, a causa ainda deverá ser objeto de recursos e longa discussão jurídica na Holanda, bem como as decisões que ela pode inspirar em outros juízes ao redor do mundo estarão sujeitas a muito debate. Se por um lado, a decisão é louvável na finalidade e na afirmação de direitos humanos, por outro, ela pode ser acusada de trazer profunda insegurança jurídica.
Independentemente do lado que se venha a tomar esse debate ou se os ventos da decisão holandesa vão chegar ao judiciário brasileiro, o fato central é que a decisão não pode ser ignorada pelas empresas de todo e qualquer tamanho e setor.
Como vários especialistas e investidores têm sinalizado, a implementação das chamadas práticas ESG não se limitada a cumprir as leis existentes, mas deve estar alinhada com o entendimento que a empresa e sua liderança têm sobre o papel de fomentadores da transformação social positiva, de melhoria da qualidade de vida de todos e da proteção ds recursos naturais necessários para isso, no curto e longo prazos.
A decisão de Haia confirma o que já temos observado e tem sido dito pelos especialistas. Entramos de fato na década em que todas as organizações têm que fazer algo concreto para a construção de um futuro comum, independentemente do marco legal em que a sociedade está inserida. A necessidade de encontrar soluções para a construção desse futuro urge.

* Nelmara Arbex é sócia líder da prática de ESG da KPMG no Brasil e Raphael Soré é sócio da prática de forense e compliance da KPMG no Brasil.

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