Estudo aponta as contradições das metodologias de “zerar emissões líquidas” e reforça a urgência de promover o fim dos combustíveis fósseis

Estudo aponta as contradições das metodologias de “zerar emissões líquidas” e reforça a urgência de promover o fim dos combustíveis fósseis

24 de novembro de 2023 Off Por Marco Murilo Oliveira
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Estudo da FASE – Solidariedade e Educação alerta que na prática emissões líquidas zero não significam emissões reais zero e aponta que o sistema econômico mundial, que explora e destrói a natureza e gera desigualdades socioambientais, deve ser revisto

Nas próximas semanas acontece mais uma Conferência das Partes do Clima da ONU (COP 28), em Dubai. Espera-se que a COP 28 ajude a manter vivo o objetivo de limitar o aumento da média de temperatura global a 1,5ºC. Esse limite, crucial para evitar os impactos mais prejudiciais do aquecimento global, foi acordado por quase 200 países em Paris em 2015.

No entanto, passados sete anos da aprovação do Acordo de Paris, nem todos os países signatários submeteram a revisão de seus compromissos de mitigação (redução ou remoção) das emissões de gases do efeito estufa, e, mais do que isso, as metas apresentadas pelos países, quando lidas em conjunto, são insuficientes para manter a temperatura abaixo dos 2ºC, alerta o estudo  ‘Mudar para que nada mude: Zero emissões líquidas não é zero!’, divulgado hoje (14) pela organização não governamental FASE – Solidariedade e Educação. 

O documento aponta as contradições e significados das tecnologias e metodologias de “zerar emissões líquidas” ou “net zero”, em inglês – termo presente nos discursos e propostas nacionais e internacionais de redução das emissões dos gases de efeito estufa para o enfrentamento das mudanças climáticas – e reforça que o net zero não corta pela raiz o principal problema do aquecimento global: o modo de produção e consumo dominante, que explora e destrói a natureza e gera desigualdades socioambientais. 

“Na prática, zerar emissões líquidas não é uma solução efetiva para as mudanças climáticas, tendo em vista que emissões líquidas zero não significam emissões reais zero”, ressalta a responsável pelo levantamento, Maureen Santos. 

O documento expõe o fato de que o foco nas metas de net zero desvia a atenção da obrigação das atividades poluidoras e altamente emissoras de  gases de efeito estufa de reduzirem suas emissões de fato, como a queima de combustíveis fósseis e a agropecuária intensiva e reforça a urgência de promover a transição para um paradigma energético sustentável e renovável, visando o fim dos combustíveis fósseis e do sistema econômico mundial extremamente exploratório (da natureza e das pessoas), e assumir compromissos de emissões zero reais e não líquidas.

Com a proximidade COP 28, o estudo da FASE sugere, ainda, que estes sejam os objetivos norteadores das mesas de negociação das futuras conferências sobre o clima e as metas climáticas de países e empresas e, que sem isso, somos coniventes com a inação climática e assumimos riscos colossais contra o nosso futuro comum. 

Em 2020, o agronegócio respondeu por 73% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa, oriundas da mudança do uso da terra e da agropecuária. De acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), as mudanças de uso da terra e do solo, puxadas pelo desmatamento para abertura de novas áreas para agropecuária e especulação imobiliária, são historicamente as principais responsáveis pelas emissões no Brasil, representando 46% do total em 2020, seguida por 27% da agropecuária. 

“Os projetos e ações de captura do carbono atmosférico a partir das florestas superestimam a capacidade de absorção de carbono dos processos de florestamento. E ainda há outro problema: não há árvores suficientes para compensar as emissões de carbono da sociedade e nunca haverá.” diz o levantamento. Segundo a cientista Bonnie Waring (2021), mesmo se fosse maximizada totalmente a quantidade de árvores e de vegetação terrestre que o planeta poderia abrigar, “[…] o carbono sequestrado só seria suficiente para compensar cerca de dez anos de emissões de gases de efeito estufa nas taxas atuais. Depois disso, não poderia haver mais aumento na captura de carbono”.

O relatório da ActionAid Internacional publicado em 2021 menciona que não há terra disponível no mundo suficiente para atender a demanda de todas as novas florestas e plantações implícitas nas centenas de metas de emissões líquidas já anunciadas, tanto por países, quanto por corporações e empresas, para compensar as suas emissões reais de gases do efeito estufa. 

“O net zero está moldando a atual (in)ação climática, como se fosse uma salvação para o aquecimento global, sendo que, na verdade, desvia os compromissos reais que precisam ser adotados e coloca os países do sul global novamente com a responsabilidade de atender as demandas por compensação de emissões dos países do norte e suas transnacionais”, diz Santos. 

De um modo geral, o discurso das emissões líquidas zero torna possível para as corporações se apresentarem como empresas “envolvidas” e “preocupadas” com a luta contra as mudanças climáticas, assumindo compromissos de “emissões líquidas zero de carbono até o ano de 2050”. Isso sem mitigar ou reduzir drasticamente as suas emissões reais, o que é considerado puro greenwashing.

“Isso vem transferindo o foco dos verdadeiros vilões do clima e de suas responsabilidades históricas frente ao atual 1,1ºC de aumento da média global em que a Terra se encontra”, complementa. 

Acesse o estudo completo: https://fase.org.br/pt/biblioteca/mudar-para-que-nada-mude-zero-emissoes-liquidas-nao-e-zero/

Sobre a FASE

A ONG FASE – Solidariedade e Educação atua há 61 anos na defesa da democracia e dos direitos humanos, via educação popular. Com presença ativa em quatro das cinco regiões  brasileiras, promove transformações nos territórios e propõe alternativas de desenvolvimento para  o Brasil, com base em quatro causas: Justiça Ambiental, Agroecologia e Soberania Alimentar, Direito à Cidade e Direitos das Mulheres.

Desde nossa origem, em plena ditadura militar brasileira, trabalhamos com a organização e o desenvolvimento local de comunidades tradicionais, mulheres, negros, quilombolas, sem-terra, sem-teto  e agricultores familiares. Nosso objetivo é construir uma sociedade atuante, com universalização de direitos e superação das desigualdades.

Giovana Xavier


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