Na Newsletter: Desmatamento sobe 91% em maio, fogo amigo contra o meio ambiente e mais

Não estivessem ocupados demais fugindo do país e da polícia, os bolsonaristas estariam sapateando nas redes sociais com a notícia do aumento de 91% nos alertas de desmatamento em maio.

Há exatos seis anos, em junho de 2019, foi uma notícia de crescimento do desmate dessa mesma magnitude que revelou o impacto do desmonte ambiental praticado pelo regime e levou à demissão de Ricardo Galvão da direção do Inpe.

Desta vez, o governo tentou se safar botando a culpa no aquecimento global. Segundo o secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, João Paulo Capobianco, a disparada nos dados do sistema Deter, em última análise, é “responsabilidade comum de todos os países signatários da Convenção do Clima”.

Então, uma alta do desmatamento de 90% sob Bolsonaro é culpa do desmonte, e no governo “da esquerda” é culpa do mundo? É mais ou menos isso mesmo.

De 2019 a 2022, a taxa oficial de desmatamento subiu 60% na Amazônia. Foi a maior alta percentual da história em um único mandato presidencial.

O clima estava razoavelmente benevolente – houve até uma La Niña em 2021, trazendo mais chuvas para a região.

Em 2023 e 2024 a Amazônia sofreu duas megaestiagens consecutivas, algo inédito desde o início dos registros meteorológicos no começo do século 20.

Em 23, o desmatamento caiu, mesmo com a seca e as queimadas em alta. Mas nada poderia preparar ninguém para um 2024 ainda mais seco.

O crime ambiental começou a raciocinar: “por que mesmo eu vou gastar R$ 2.500 para botar abaixo um hectare de floresta se São Pedro e um galão de gasolina fazem o mesmo serviço por um quarto desse valor?”

A dinâmica da devastação mudou e o governo não está preparado para lidar com o fogo enquanto instrumento de desmate.

É preciso ouvir cientistas como Ane Alencar, do Ipam, e Erika Berenguer, de Oxford, que há anos alertam para a bomba-relógio que a maior flamabilidade da Amazônia vem armando (como reconheceu Capobianco na entrevista de sexta).

E, claro, não dá para desconectar esse cenário de outras bombas-relógio que o próprio governo cria ou deixa criar, como o arraso criminoso do licenciamento ambiental, patrocinado pelo Congresso com omissão (no mínimo) do lulismo, e os esforços para pavimentar a BR-319, que acabará com o controle do desmatamento.

Mas não dá para comparar isso com o ataque doloso aos nossos biomas praticado de 2019 a 2022 por uma quadrilha que pretende voltar em 2027, travestida de “moderação”. Boa leitura. 
Desmatamento na Amazônia sobe 91% em maio

Com 960 km² de floresta derrubados, resultado é o 2° pior da série histórica para o mês e indica risco de reversão da queda registrada em 2023 e 2024


A área sob alertas de desmatamento na Amazônia teve alta de 91% em maio. Dados do sistema de monitoramento

Deter divulgados na sexta-feira (6/6) pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicam a derrubada de 960 km² (área equivalente a quase uma Belém) no mês, contra 502 km² em maio de 2024.

O resultado é o segundo maior para o mês da série histórica iniciada em 2016. Ficou abaixo apenas do recorde de 1.390 km² em maio de 2021.

É a segunda alta consecutiva deste ano: em abril, os alertas já haviam aumentado 55%. Se considerados os últimos dez meses (agosto a maio), período que será contabilizado na taxa de desmatamento de 2025, houve aumento de 9,7% (3.502 km², ante 3.191 km² de agosto de 2023 a maio de 2024).

O Deter emite alertas diários para apoiar a fiscalização realizada por agentes do Ibama e do ICMBio.

Trata-se de um indicativo de tendência da taxa de desmatamento, que é medida sempre de agosto de um ano a julho do ano seguinte por outro sistema do Inpe, o Prodes, que usa imagens de satélites mais precisas.

Sem reversão da tendência em junho e julho, o Brasil poderá chegar à COP30 com alta na devastação – a taxa de desmatamento em geral é divulgada antes da conferência anual da ONU sobre mudança do clima, que será realizada em novembro na capital do Pará.

O secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, João Paulo Capobianco, atribuiu o aumento em maio ao que classificou de situação “dramática” provocada pelo agravamento de incêndios florestais.

“A perda de floresta em maio de 2025 se deu em maior quantidade em função de incêndios florestais, mudando uma trajetória histórica que até hoje não conhecíamos”, declarou Capobianco.

Segundo dados apresentados pelo secretário, mais da metade (51%) do desmatamento foi registrado em áreas de floresta incendiada.

Essa proporção era de 6,6% em média nos meses de maio no período de 2016 a 2022, afirmou Capobianco, e chegou a 32% em maio de 2023, 21% em maio de 2024 e ao recorde de 51% em maio de 2025.

“Vamos mostrar um fato novo. O impacto dos incêndios florestais ao longo da história foi relativamente baixo sobre a taxa de desmatamento. Mas, agora, com o agravamento das mudanças climáticas, com a maior fragilidade da cobertura florestal, primária inclusive, estamos começando a assistir uma mudança de cenário que comprova os alertas que vinham sendo feitos pela ciência de que a floresta tropical, que é naturalmente imune a grandes incêndios, pela sua umidade, está sofrendo impacto muito grande das mudanças climáticas, reduzindo a sua resistência a incêndios e tornando-se mais vulnerável. Os dados infelizmente começam a aparecer nas estatísticas”, declarou Capobianco.

Segundo ele, o “colapso da floresta por incêndio, que decorre de mudança climática dramática, precisa ser entendido como responsabilidade comum de todos os países signatários da Convenção do Clima”.

No recorte por Estados, a maior alta em maio foi registrada em Mato Grosso: 237%, de 186 km² para 627 km².

Um dos motores do desmatamento no Estado é o uso do “correntão”, prática devastadora autorizada por decreto legislativo.

No Amazonas houve aumento de 22% (de 117 km² para 143 km²) e no Pará, oscilação de 5% (de 138 km² para 145 km²).

Há um mês, o governador Helder Barbalho, anfitrião da COP30, acionou o Planalto para tentar reverter embargos do Ibama no que chamou de “áreas produtivas do Pará”.

O órgão ambiental havia embargado mais de 70 mil hectares em 5 mil fazendas na Amazônia com o objetivo de conter a alta do desmatamento ocorrida em abril.

A ação do Ibama foi a maior já realizada com embargos remotos, por meio do cruzamento de imagens de satélite com dados de autorização para retirada de vegetação.

Ocorreu em 23 municípios com mais desmatamento, 11 deles no Pará.

A queda expressiva da taxa de desmatamento na Amazônia em 2023 e 2024 é o principal resultado da gestão Marina Silva.

O Prodes apontou redução de 46% no período em relação a 2022, último ano do governo Bolsonaro. A meta anunciada pelo presidente Lula é atingir desmatamento zero até 2030.

Mas o seu Ministério da Agricultura e Pecuária a considera “fora da realidade e da razoabilidade, sendo de forma prática impossível de ser cumprida”, segundo documentos revelados pela Folha.

“No desmatamento, além das explicações técnicas, existe também o fator político. Na base do governo e até entre ministros, não há apenas divergências, mas fogo amigo contra o meio ambiente. O resultado disso acaba aparecendo em números. A agenda ambiental não tolera duplo comando. Está mais do que na hora de o presidente Lula dar um rumo único ao seu governo nesta área”, disse o secretário executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini.

O governo federal anunciou nesta semana a destinação de R$ 825,7 milhões do Fundo Amazônia para o Ibama executar um projeto de fortalecimento da fiscalização contra o desmatamento.

É o maior aporte da história do fundo, criado em 2008. Trata-se de decisão histórica, reivindicada há anos pela área técnica do órgão ambiental, que continua hoje com os mesmos 700 e poucos fiscais que tinha no início do atual mandato.

Foi realizado em abril concurso para 460 novos servidores do Ibama, e cerca de 100 devem ser alocados na fiscalização até o fim deste ano.

“A história mostra que, quando a lei é aplicada, o desmatamento cai – basta comparar os dados do Prodes na atual gestão e no governo Bolsonaro, que fez de tudo para impedir a fiscalização ambiental.

Para o Ibama fiscalizar, porém, é necessário haver uma legislação que proteja o meio ambiente.

É exatamente aí que entra o Congresso, que atua no sentido oposto, tentando acabar com a proteção ambiental, como vimos recentemente na aprovação do projeto de lei que desmonta o licenciamento ambiental, além de outras ameaças no chamado Pacote da Destruição”, disse Astrini.

Incêndio florestal na TI Tenharim/Marmelos, no Amazonas Foto: Mayangdi Inzaulgarat/Ibama

Nada a comemorar

Brasil entrega destruição na Semana do Meio Ambiente
Não havia o que comemorar na Semana do Meio Ambiente deste ano, que começou com manifestações em várias cidades no último dia 1º.

O Brasil caminha para implementar retrocessos ambientais em série, com a implosão do licenciamento ambiental no Congresso, a iminente perfuração em busca de petróleo na Foz do Amazonas e o possível asfaltamento de uma estrada em um dos trechos mais preservados da Amazônia, além de dezenas de outras ameaças, como ataques diretos a direitos indígenas.

É o combo perfeito para acabar com o controle ambiental e a demarcação de terras indígenas no país, turbinar o ponto de não-retorno da maior floresta tropical do mundo e armar uma bomba de carbono contra o clima no planeta. Tudo isso em ano de COP30 no Brasil.

O que está ruim ainda pode piorar, com o risco de alta do desmatamento.

A destruição da agenda ambiental é um serviço político do pior Congresso da história. Mas também tem a digital do Planalto. No mínimo, por omissão.

Ou o governo começa a atuar de forma decidida pela proteção da legislação ambiental, ou será cúmplice de seu desmonte. Se o presidente da Câmara, Hugo Motta, não segurar o projeto de lei que acaba com o licenciamento e a avaliação de impactos ambientais, o presidente Lula terá que vetá-lo na íntegra, pois supressões pontuais não resolverão o pior retrocesso legislativo ambiental da história brasileira.

E não é só o licenciamento. Há dezenas de projetos de lei com retrocessos gravíssimos no “Pacote da Destruição”, alguns em processo acelerado de tramitação.

As chamadas contradições da frente ampla eleita em 2022 contra os golpistas que queriam deliberadamente acabar com o Ibama, a Amazônia e a democracia não podem resultar em uma frente ampla contra o meio ambiente.

Marina Silva foi atacada no Senado por defensores de golpe de Estado e adoradores de crimes ambientais. Reagiu com coragem.

O governo Lula precisa escolher de que lado está. Leia a nota do OC aqui.
Grave impacto

Desmonte do licenciamento é “risco ambiental”, afirmam sete ex-ministros do MMA

Sete ex-ministros do Meio Ambiente assinaram uma carta conjunta na qual alertam para os riscos do Projeto de Lei 2.159/2021, recém aprovado no Senado, que desmonta as regras do licenciamento ambiental no país.

No documento, o grupo também manifestou solidariedade à ministra Marina Silva, que sofreu ataques misóginos de senadores em audiência na Comissão de Infraestrutura.

Assinam a carta os ex-ministros Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, José Carlos Carvalho, Rubens Ricupero, Sarney Filho e a ex-ministra Izabella Teixeira.

Sobre o PL, que ainda precisa ser aprovado pela Câmara dos Deputados antes de seguir para veto ou sanção presidencial, o grupo qualificou o teor da nova regulamentação como “muito grave” e um “risco ambiental”.

“(O projeto) inclui não só os projetos de pequeno porte — com o que havia acordo —, mas também os de médio porte, que são bem mais impactantes e que terão muito menos estudos e mecanismos para a redução dos seus impactos”, destacam.

Os ex-ministros mencionaram o alcance excessivo do autolicenciamento, que segundo eles gera uma situação “meramente declaratória”.

E criticaram a inclusão da emenda sobre a possibilidade de “projetos estratégicos” terem rito sumário.

“O fato de ser um projeto estratégico não significa que não possa ter grande impacto nos biomas, nos povos indígenas, nas águas.”

Outros pontos críticos citados foram a ampliação do papel de estados e municípios no licenciamento e a supressão de etapas que permitiriam maior transparência à sociedade em relação aos “impactos sobre a água que se bebe, o ar que se respira, o verde a que se tem direito e, naturalmente, sobre a biodiversidade”.

“Em qualquer momento seria deletério desmontar o licenciamento (…) mas, neste momento especial, é duplamente grave, porque estamos às vésperas da COP30, em que o Brasil quer jogar um papel de protagonismo — e isso enfraquece o país”, afirmam.

Relatores da ONU também enviaram documento ao governo brasileiro com alertas sobre “danos irreversíveis” do projeto.

Mais recursos

OC propõe criação de Fundo Nacional de Adaptação
Em nota técnica entregue ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) na última quinta-feira (5/6), o Observatório do Clima propôs a criação de um fundo específico para a adaptação à emergência climática.

O documento analisa as estruturas de financiamento da política ambiental no Brasil, como o Fundo Nacional do Meio Ambiente e o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, e conclui que, mesmo com a entrada de recursos significativos no Fundo Clima a partir de 2024, o montante destinado à adaptação ainda é insuficiente.

Os recursos atuais são majoritariamente voltados para ações de mitigação e concedidos principalmente sob a forma de empréstimos, o que dificulta o acesso por municípios pequenos, com pouca capacidade de endividamento.

“A ausência de uma fonte estável, contínua e robusta de financiamento limita o planejamento de longo prazo e a implementação de ações estruturantes em adaptação. Diante desse quadro, é urgente identificar alternativas viáveis de financiamento nesse campo.”

Mais aqui, em reportagem do Valor.
Mais quente
Relatório reforça agravamento da crise climática

Temperaturas globais em alta, com possibilidade de novos recordes anuais e médias de até 1,9°C acima das registradas no período pré-industrial.

Esse é o horizonte para os próximos cinco anos, segundo relatório publicado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM).

De acordo com o documento, há 80% de possibilidade de que a marca de ano mais quente já registrada (atualmente, 2024) seja batida no período de 2025 a 2029.

“Acabamos de experimentar os dez anos mais quentes já registrados. Infelizmente, este relatório da OMM não oferece nenhum sinal de trégua para os próximos anos, e isso significa que haverá um impacto negativo crescente em nossas economias, em nossas vidas diárias, em nossos ecossistemas e em nosso planeta”, disse a secretária-geral adjunta da OMM, Ko Barrett. Mais no site do OC.

Gigante

Morre Dalton Valeriano, que revolucionou o monitoramento da Amazônia
Morreu nesta semana, aos 69 anos, o biólogo, pesquisador e especialista em sensoriamento remoto do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Dalton de Morisson Valeriano.

Servidor de carreira por mais de 40 anos, Valeriano teve papel decisivo na concepção de ferramentas que hoje formam a base do combate ao desmatamento na Amazônia. Entre elas, o Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter), que abriu aos órgãos de fiscalização ambiental a possibilidade de monitoramento das florestas em tempo quase real.

“Ele revolucionou o monitoramento da Amazônia e, com isso, contribuiu fortemente para o sucesso no enfrentamento do desmatamento ilegal”, disse ao OC Cláudio Almeida, atual coordenador do Programa de Monitoramento da Amazônia e Demais Biomas do Inpe.

Para Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas, Valeriano foi um “cientista fundamental e um contador de histórias incrível”.

“Sem o Dalton e o time do Inpe, a queda que vemos do desmatamento não teria ocorrido. O MapBiomas se alimenta muito desse legado”, afirmou.

A presidente da Fundação SOS Mata Atlântica, Márcia Hirota, lembrou que a contribuição de Valeriano não se limitou ao bioma amazônico.

“Ele contribuiu muito para o Atlas da Mata Atlântica na parceria da SOS com o Inpe. Tivemos muitas e boas conversas”, relembrou. Diretor do INPE de 2005 a 2012, o pesquisador Gilberto Câmara classificou o colega de “gigante” que deixou como legado ferramentas que mudaram a história da gestão ambiental no país. “Embora não tenha desenvolvido o Prodes, ele foi o principal responsável por estruturá-lo a partir de 2000. Colocou o sistema na linha. E criou o Deter, ou seja, fez uma enorme diferença. Sem ele, a história da Amazônia teria sido outra.”

Mais no site do OC.
Busca mortal por respostas

Três anos sem Bruno e Dom

Em 5 de junho de 2022, o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips foram assassinados a tiros na região de Atalaia do Norte, quando cruzavam de barco as proximidades da Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas.

Atuando no Brasil como correspondente do The Guardian, Phillips escrevia um livro sobre a Amazônia e acompanhava Bruno em uma série de visitas a comunidades ribeirinhas.

Em denúncia protocolada à Justiça Federal de Tabatinga no dia exato em que o episódio completou três anos, o Ministério Público Federal apontou o peruano Rubén Dario da Silva Villar, conhecido como Colômbia, como mandante.

Outras oito pessoas já haviam sido denunciadas sob suspeita de envolvimento no crime, três como executoras e cinco por terem ajudado a ocultar os corpos.

“O homicídio de Bruno teria correlação com suas atividades em defesa da coletividade indígena. Dom, por sua vez, foi executado para garantir a ocultação e impunidade do crime cometido contra Bruno”, apontou a procuradoria.

Para marcar a data, 40 organizações indígenas e socioambientais, entidades de imprensa e da sociedade civil assinaram o manifesto “Três anos sem Bruno e Dom”.

Com mais de 8,5 milhões de hectares, a TI Vale do Javari abriga a maior concentração de indígenas isolados do Brasil, em meio a conflitos fundiários, garimpo e pesca ilegal, além da atuação cada vez mais intensa de grupos de narcotraficantes. No manifesto, as entidades citam os assassinatos de Chico Mendes e da missionária Dorothy Stang, entre outros, para cobrar proteção para os “guardiões da floresta”.

“Ele morreu tentando mostrar ao mundo a importância da Amazônia”, recordou Alessandra Sampaio, viúva de Dom, à Agência France Press (AFP). A entrevista foi realizada em 27 de maio, em Londres, durante o lançamento mundial de “Como Salvar a Amazônia”, o livro que seu marido escrevia e foi finalizado numa ação entre amigos do jornalista.

Como 384 páginas, a obra é dividida em duas partes, a primeira formada pelos capítulos que Phillips já havia deixado prontos em seu computador.

O restante foi produzido com a colaboração de Jon Lee Anderson, Beto Marubo, Jonathan Watts e Eliane Brum, entre outros.

“Quando Dom morreu, o livro não tinha chegado nem à metade (…), ele havia rascunhado a introdução, os primeiros três capítulos e meio, e deixara anotações, transcrições e planos – com algumas partes bem mais detalhadas do que outras”, diz o prefácio.

Um dos desafios citados na introdução foi decifrar os garranchos do jornalista em seus cadernos de viagem. “Dom era um jornalista da velha guarda, que anotava tudo à mão, e decifrar suas garatujas foi mais complicado do que quebrar a criptografia de seu computador”.

Leia o primeiro capítulo do livro aqui. Em 2013, a convite de Bruno Pereira, o jornalista Rubens Valente viajou ao Vale do Javari para acompanhar uma assembleia indígena nas proximidades da fronteira com o Peru.

Desde então, conta ele, o indigenista tornou-se não apenas uma fonte acessível e gabaritada, mas também um interlocutor fundamental para entender a complexidade daquela região.

“Foi uma perda brutal. Bruno representa toda uma geração de jovens indigenistas formada a partir dos anos 2010, marcada como defensora ferrenha de comunidades isoladas e herdeira de um indigenismo mais humanista”, relatou ao OC.

O nome de Pereira está na lista de agradecimentos do livro “Os Fuzis e as Flechas” (Companhia das Letras), que Valente lançou em 2017 e que relata a violência sofrida pelas populações indígenas brasileiras durante a ditadura militar, especialmente na Amazônia.

“Ele era uma fonte equilibrada, mas sem deixar de levantar suas bandeiras. Unia trabalho de campo com farto conhecimento teórico”, relembrou.

Para o jornalista, as mortes de Bruno e Dom Phillips representam um marco na história do Vale do Javari.

“Até então, eram os indígenas os assassinados em defesa do Javari. Em 2022, a violência também se volta contra quem os apoia”.

Naquele momento, lembrou ele, a região vivia uma escalada de violência sob efeito do desmonte do Ibama e da Funai na gestão de Jair Bolsonaro.

“Houve um agravamento de 2019 a 2022 até aquelas mortes. Depois disso, felizmente começou a se fortalecer a resistência indígena”, avalia.

O que não mudou, segundo o jornalista, foi a ausência física do Estado, que “segue omisso e leniente”.

“Nesse sentido, nada mudou. Tivemos operações importantes, mas o Estado até hoje não fez uma intervenção física, presencial, que possa trabalhar com a dissuasão dessas ameaças.”

Central da cop
A seleção indígena

O G9 se prepara para a COP30
Você conhece o G7 e o G20, mas será que está por dentro do G9 da Amazônia Indígena? Trata-se de um grupo com lideranças indígenas dos nove países da Bacia Amazônica.

A aliança foi criada durante a COP16 da Biodiversidade, na Colômbia, e já se articula para a COP30 do Clima, em Belém.

O grupo reivindica medidas concretas: demarcação de terras, financiamento direto às organizações indígenas e participação ativa nas negociações climáticas — inclusive com a proposta de uma copresidência indígena na conferência.

“O G9 não é uma nova instituição com sede ou burocracia, mas um espaço vivo de articulação, decisão coletiva e ação estratégica”, diz Angela Kaxuyana, representante da Coiab.

Gol contra na capital

Uma usina termelétrica em pleno ano de COP?
Em 17 de junho, ocorrerá em Brasília audiência pública do Ibama para discutir o impacto ambiental da UTE Brasília, projeto de usina termelétrica a gás fóssil prevista para o bairro de Samambaia, no Distrito Federal.

A Usina ainda está em fase de licenciamento mas, como aponta Joubert Marques, da Arayara.org, se for implementada, ameaça aumentar em quase metade a cota de emissões do DF até 2025.
Rodada dupla no Rio
A mesa redonda da Central da COP na Uerj e no Rio2C

Na última semana, a Central da COP realizou duas mesas redondas e debateu a crise climática com informação e humor.

A primeira ocorreu no festival Rio 2C, no domingo (1º/6), e a segunda no dia seguinte, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). O escrete de entrevistados teve Marcele Oliveira, Jovem Campeã do Clima da COP30, Ana Carolina Lourenço, especialista em comunicação estratégica, e Nauê Pinheiro de Azevedo, advogado especializado em litigância ambiental e climática.

As próximas edições da mesa redonda da Central devem ocorrer no segundo semestre.

Na playlist

“É fácil defender o meio ambiente quando o vilão é um bolsonarista tosco. O difícil é a gente usar o peso político que o nosso campo poderia ter, mas que renuncia, para não criticar o Lula em nenhuma ocasião. No caso do (PL do) Licenciamento Ambiental, o principal problema disso não é o Lula, é o próprio Congresso, o Senado tendo o Alcolumbre como personagem principal. Mas o nosso campo está se satisfazendo com muitíssimo pouco e fecha os olhos para muitas contradições de meio ambiente com o governo federal”, diz Bruno Torturra aqui.

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