Uma espécie de negacionismo

31 de outubro de 2022 Off Por Ray Santos
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Por Xico Graziano*

De 2000 a 2020, foram registrados 3 movimentos importantes no Brasil:

* a população brasileira aumentou 21,6%;
* a área agrícola do país aumentou 50,1%;
* a área de vegetação florestal do país diminuiu 7,9%.

Qual o significado dessa dinâmica? O que um fato tem a ver com o outro?

Quem entende de economia sabe que a interpretação de dados depende da visão do estudioso. Seus pressupostos influenciam a análise dos fatos. Vale para todas as ciências sociais. Daí surgem controvérsias.

Pois bem. Quando, dias atrás, o IBGE divulgou seu estudo “Contas Econômicas Ambientais da Terra”, para o período 2000/2020, apontando alterações na ocupação do território brasileiro, alguns jornalistas destacaram a existência de uma “devastação florestal”.

Afinal, o território coberto com florestas nativas havia se reduzido em 7,9%, passando de 403,9 milhões de hectares para 371,9 milhões de hectares. A área “perdida”, conforme descreveu Leonardo Vieceli, na Folha de S. Paulo, é comparável ao território do Maranhão.

A perda, no caso, significou a conversão do território nativo, inculto, em terra produtiva. Quer dizer, expandiu-se a fronteira agrícola do país.

As lavouras agrícolas aumentaram sua área de 45,9 milhões de hectares para 68,9 milhões de hectares. E as pastagens plantadas também cresceram.

Houve perda, ou ganho?

Distribuição de área agrícola no Brasil em 2000 e em 2020: fronteira agrícola se expandiu

Para auxiliar a resposta do aparente enigma, vale a pena refletir no seguinte: por que os agricultores expandem suas áreas produtivas?

Parece óbvio que nem a agricultura nem tampouco qualquer outra atividade produtiva se desenvolve sem comercializar suas mercadorias. Pode ser picolé, pente de cabelo, automóveis ou alimentos. Se o mercado puxar, a produção se aquece. Afinal, ninguém produz o que não vende.

Os produtores rurais, portanto, somente ampliaram suas lavouras e suas pastagens naquele período de 2000 a 2020 pelo óbvio motivo de que a demanda alimentar os estimulou a tomarem tal atitude.

Ainda bem que o fizeram com sucesso.
Insensato seria imaginar que a cobertura florestal do país permanecesse a mesma com a população aumentando. E no período considerado, os brasileiros passaram de 174,8 milhões para 212,6 milhões de habitantes.

Há que se considerar, também, o movimento global da civilização. Entre outros fatores, a urbanização da Ásia, liderada pela China, tem, sabidamente, pressionado a demanda alimentar, exigindo maior oferta do agro mundial. O Brasil, notoriamente, se destaca nesse processo.

Por que o Brasil fortalece sua agropecuária?

Pelo fato de os demais grandes países agrícolas terem atingido o limite da ocupação territorial. Entender isso é básico.

A expansão das áreas cultivadas e pastoreadas nos EUA, na Europa, na Austrália, na China, no Canadá, na Nova Zelândia, em todos, repito, em todos eles as terras consideradas agricultáveis foram, há mais de meio século, incorporadas ao processo produtivo.

Por isso acabou, nos países desenvolvidos, o desmatamento. Não ocorreu por pressões ambientais, mas sim por terem sido exauridas as áreas agricultáveis de seus territórios. Sobraram originais apenas as cadeias montanhosas e as áreas desérticas, junto com unidades de conservação.

Ninguém, jamais, considerou tal expansão histórica uma perda, mas sim um tremendo ganho civilizatório.

Por que no Brasil seria diferente?

Uma consideração importante reside no recente avanço tecnológico do agro. Aumentos fantásticos de produtividade por área poderiam dispensar, atualmente, a ocupação de novos territórios ainda cobertos com florestas.

É verdadeiro supor que a variável tecnologia anda “economizando” terra. Por essa razão, é possível vislumbrar que, logo, o ciclo do desmatamento nacional se encerre. Haverá, tão somente, intensificação produtiva no agro.

Uma espécie de negacionismo.

Xico Graziano*, membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS).

Sobre o CCAS
O Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS) é uma organização da Sociedade Civil, criada em 15 de abril de 2011, com domicilio, sede e foro no município de São Paulo-SP, com o objetivo precípuo de discutir temas relacionados à sustentabilidade da agricultura e se posicionar, de maneira clara, sobre o assunto.
O CCAS é uma entidade privada, de natureza associativa, sem fins econômicos, pautando suas ações na imparcialidade, ética e transparência, sempre valorizando o conhecimento científico.  
Os associados do CCAS são profissionais de diferentes formações e áreas de atuação, tanto na área pública quanto privada, que comungam o objetivo comum de pugnar pela sustentabilidade da agricultura brasileira. São profissionais que se destacam por suas atividades técnico-científicas e que se dispõem a apresentar fatos, lastreados em verdades científicas, para comprovar a sustentabilidade das atividades agrícolas.
A agricultura, por sua importância fundamental para o país e para cada cidadão, tem sua reputação e imagem em construção, alternando percepções positivas e negativas. É preciso que professores, pesquisadores e especialistas no tema apresentem e discutam suas teses, estudos e opiniões, para melhor informação da sociedade. Não podemos deixar de lembrar que a evolução da civilização só foi possível devido à agricultura. É importante que todo o conhecimento acumulado nas Universidades e Instituições de Pesquisa, assim como a larga experiência dos agricultores, seja colocado à disposição da população, para que a realidade da agricultura, em especial seu caráter de sustentabilidade, transpareça. Mais informações no website: http://agriculturasustentavel.org.br/.

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