Com dimensões continentais, Brasil enfrenta enormes desafios na gestão de suas fronteiras

Com dimensões continentais, Brasil enfrenta enormes desafios na gestão de suas fronteiras

31 de janeiro de 2023 Off Por Ray Santos
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Avanço de milícias, cooptação de mão de obra barata para o crime organizado, evasão escolar e ausência de infraestrutura são alguns dos problemas enfrentados pelos municípios

Com mais de 16 mil quilômetros de fronteiras – que se estendem de norte a sul no lado oeste do território nacional e englobam dez países vizinhos – o Brasil enfrenta uma série de problemas para conseguir lidar com aspectos comuns nessas regiões, como contrabando de armas e mercadorias ilegais e a cooptação de moradores locais para o crime, inclusive menores de idade; além do avanço estrutural do crime organizado, com a presença cada vez mais forte de milícias controlando o comércio ilegal nos principais estados brasileiros.

Apesar dos dados do Atlas da Violência – publicação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) – registrarem uma diminuição na média da taxa de homicídios por 100 mil habitantes no país, atualmente em 21,7, o Brasil ainda segue na liderança do ranking das nações que mais matam por armas de fogo no mundo, segundo o Núcleo de Estudos de Violência da USP (NEV-USP).
Outra informação que corrobora com essa problemática vem do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf), que aponta que a taxa de homicídio nos 588 municípios da faixa de fronteira chega a ser até 4 vezes a média nacional, fato que revela como as atividades ilícitas contribuem para a expansão da atuação de milícias e de outras facções criminosas.

Segundo o presidente do Idesf, Luciano Barros, alguns fatores podem explicar essa dinâmica, como o desenvolvimento tardio dessas regiões, a falta de infraestrutura básica e um certo distanciamento do estado, que optou por desenvolver primeiro a costa leste e deixou a costa oeste para um segundo momento. “Faltam políticas públicas, investimentos e um olhar específico para essas fronteiras. O Brasil lutou muito para conquistar essas terras, mas precisa desenvolvê-las. Os atores do crime organizado não encontram grande resistência, são sistemas evoluídos, que conseguem encontrar mão de obra muito fácil e trazer essas pessoas para a contravenção. É preciso uma visão de longo prazo e o Brasil tem essa possibilidade”, avalia. 

Na visão de Luciano Barros, o combate ao ecossistema do crime tem que ser feito com muita agilidade. “O crime organizado trabalha de forma orquestrada e sempre terá fluidez, pois ele não tem nenhuma burocracia para enfrentar. E a reação do estado não pode caminhar de forma lenta, ou não conseguiremos fazer frente ao problema”, aponta.

Aliciamento de menores em atividades criminosas
Outra situação que traz aspectos muito sérios, é a presença de crianças e adolescentes em atividades criminosas. Especialista da chamada “economia do crime”, o economista Pery Shikida, professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), é autor de um estudo sobre o envolvimento de crianças e adolescentes no contrabando em 3 cidades fronteiriças: Foz do Iguaçu e Guaíra, no Paraná e Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul. A pesquisa identificou que o delito é percebido como muito lucrativo pelos infratores, em sua maioria do sexo masculino, que relatam a necessidade de sobrevivência, além do ganho fácil e imediato.

Para o professor, onde há forte presença de contrabando e criminalidade, são comuns a evasão escolar e o trabalho infantil, já que a relação custo-benefício do contrabando é favorável ao ilícito. “Há um falso entendimento de que o transporte de mercadorias contrabandeadas é um ato comum e legal, visto como um crime de baixa ofensividade”, aponta Shikida.

Segundo a pesquisa, os principais motivos que levam menores ao contrabando de cigarros são: a ideia de ganho fácil/consumo de bens (16,3%), seguido de penas brandas (16,3%); pais e/ou parentes atuam no contrabando (13,3%); não veem o contrabando como ato ilegal (11,2%); margem de lucro (11,2%) e a necessidade de sobrevivência/ajudar em casa (7,1%).

Prioridade na Segurança Pública

Para o presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), Edson Vismona, o fato dessas regiões de fronteira terem presença constante do crime organizado, exige uma atuação vigorosa na defesa e na segurança pública, pois o problema acaba se pulverizando pelo território nacional.

“Pelas fronteiras, entram drogas e armas que financiam organizações criminosas e elas acabam por cooptar tanto adultos como crianças. Nossa expectativa é que o governo federal irá atender esse clamor, inserindo a temática das fronteiras na sua agenda de ações prioritárias, preservando e aperfeiçoando os programas de segurança do país, para termos ações de combate cada vez mais efetivas” pontua Vismona.

Fontes:

– Edson Vismona – presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP)

– Luciano Barros – presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf)

– Pery Shikida – professor universitário, economista e autor do estudo “Aspectos do trabalho de crianças e adolescentes no contrabando de cigarros em três cidades fronteiriças brasileiras”

FSB Com,.


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