Desafiando a sabedoria convencional para maximizar a capacidade dos cabos submarinos
14 de abril de 2024*Andrés Madero, CTO da Infinera para América Latina e Caribe
Os cabos submarinos de comunicação são um milagre da engenharia moderna. Eles não apenas transportam mais de 99,5% do tráfego internacional de internet, mas também foram projetados para operar por até 25 anos, em algumas das condições mais desafiadoras que se possa imaginar.
Como era de se esperar, um cabo submarino mais recente será tipicamente capaz de transportar muito mais capacidade do que um cabo mais antigo com aproximadamente o mesmo comprimento.
E uma vez implantado, as únicas coisas que podemos alterar para aumentar a capacidade de um cabo são os transponders nas suas extremidades.
O sistema restante permanecerá no fundo do mar por toda a sua vida útil. Permitam-me, então, abordar estes pontos com mais detalhes – começando pelo fato de que a tecnologia dos cabos submarinos evoluiu drasticamente nos últimos 30 anos.
Tenha em atenção que, quando eu citar capacidade dos cabos, estarei me referindo aos cabos transatlânticos, pois aqui é possível encontrar cabos de diferentes gerações que tenham aproximadamente o mesmo comprimento e assim fornecer comparações válidas.
Figura 1: Evolução dos cabos submarinos
Gerações de cabos submarinos
Os cabos submarinos podem, em termos gerais, ser classificados em três categorias diferentes, conforme mostrado na Figura 1.
Observe que, entre outras diferenças, o número de pares de fibras por cabo aumenta com o tempo.
- Cabos com gerenciamento de dispersão, projetados para transmissão de detecção direta de 2,5 Gb/s e 10 Gb/s, foram implantados a partir do início dos anos 90.
- As técnicas de gerenciamento de dispersão analógica dentro do cabo evoluíram ao longo do tempo, com pelo menos duas abordagens distintas, mas o foco sempre foi assumir que nenhuma compensação de dispersão era necessária no transponder e maximizar a capacidade por par de fibras.
- Cabos não compensados, projetados para transmissão coerente, usados de 2015 em diante.
- Esses cabos normalmente operam com alto ganho de repetidores para ajudar a atingir modulação de alta ordem e alta eficiência espectral. Eles geralmente utilizam fibras de grande área efetiva com dispersão positiva que se acumula ao longo de todo o comprimento do cabo e, graças a essas duas propriedades, as penalidades não lineares são minimizadas. A dispersão é compensada no transponder coerente usando o processamento digital de sinais (DSP). Os cabos não compensados também se concentram na maximização da capacidade por par de fibras.
- Cabos de multiplexação por divisão espacial (SDM).
- Esses cabos também são projetados para transmissão coerente com compensação de dispersão DSP e fibra de dispersão positiva, mas sua filosofia de projeto se afasta da maximização da capacidade por par de fibras em favor da maximização da capacidade do cabo como um todo. Os repetidores SDM operam em níveis de potência mais baixos, bem dentro do regime linear, e esses cabos normalmente usam tipos de fibra óptica mais tradicionais e mais econômicos. Já existe um plano de evolução para o SDM, com projetos de primeira geração implantados a partir de 2020 e estendendo a capacidade de cabos submarinos transatlânticos para múltiplos petabits nos próximos 10 anos.
Transponders Coerentes – Sabedoria Convencional
Os transponders coerentes foram comercializados pela primeira vez por volta de 2009 e agora estão em sua quinta geração distinta, com transponders comerciais que podem fornecer até 800 Gb/s por comprimento de onda.
Durante essa evolução, houve duas direções claras de evolução: modulação cada vez mais sofisticada e taxas de Baud (taxa de mudança de símbolos) mais altas.
Figura 2: Modulação de ordem superior
Aprimoramento das Técnicas de Modulação
Um transponder coerente envia dados usando símbolos de modulação que contêm um certo número de bits de dados.
A Figura 2 mostra como as constelações de modulação se tornaram cada vez mais sofisticadas ao longo do tempo – e à medida que essa evolução foi progredindo, cada símbolo foi se tornando capaz de transportar cada vez mais bits. Um símbolo PM-QPSK, por exemplo, transporta 4 bits, enquanto um símbolo PM-64QAM transporta 12 bits.
Ao transportar mais bits em cada símbolo, aumentamos a eficiência espectral (e, portanto, a capacidade da fibra) do sistema.
Observamos um aumento de três vezes na eficiência espectral durante esse período.
Infelizmente, transportar mais bits por símbolo também tem o efeito de reduzir o alcance óptico da transmissão, com uma redução de 30 vezes no alcance se compararmos o PM-QPSK com o PM-64QAM.
Na última geração de transponders coerentes, vimos as primeiras implementações eficazes de uma técnica chamada modelagem de constelação probabilística (PCS).
A PCS é uma ideia demasiado complexa para ser explicada aqui, mas o resultado final é bastante simples. Ela pode ser usada para aumentar o desempenho óptico de um símbolo de modulação de duas maneiras:
- Oferecendo uma maneira muito mais granular de transportar os bits em comparação às constelações convencionais, de modo que é possível obter qualidade de sinal adicional para uma determinada taxa de dados para um comprimento de onda em um determinado alcance óptico.
- Reduzindo as probabilidades de usar os símbolos de modulação de maior potência (a potência aumenta à medida que se afasta da origem), podemos alcançar um melhor desempenho de transmissão.
Sabedoria convencional: A PCS sempre fornecerá alcance de capacidade otimizado
Aumento das taxas de Baud
A taxa de Baud é a taxa à qual enviamos símbolos de modulação. Para um sinal de 800 Gb/s que usa uma constelação PM-64QAM completa (12 bits por símbolo), por exemplo, precisaríamos de uma taxa mínima de 84 gigabaud.
Isso permite que não apenas a transmissão útil de 800 Gb/s, mas também que dados de enquadramento (framing) e para a correção antecipada de erros (forward error correction) sejam transmitidos.
Mas, ao aumentar a taxa de Baud, é possível aumentar o alcance óptico de uma determinada taxa de dados.
Figura 3: Transmissão de 800 Gb/s: taxa de Baud e PCS
A Figura 3 mostra o impacto de taxas de Baud mais altas. Em azul, é mostrado um sinal de 84 Gbaud PM-64QAM com um fator de alcance nominal de 1. Neste caso a constelação 64QAM completa é usada sem a PCS, obtendo um alcance muito curto.
Ao aumentar a taxa de Baud para 96 Gbaud (mostrada em verde) – um aumento relativamente pequeno – podemos observar um aumento de quatro vezes no alcance, pois podemos “reduzir” o número de bits por símbolo para 10,5 usando a PCS.
O gráfico 3D apresentado, mostra uma distribuição de probabilidade gaussiana tridimensional na qual os símbolos mais externos são enviados com uma probabilidade menor.
Aumentar ainda mais a taxa de Baud para 100 Gbaud proporciona um aumento de cinco vezes no alcance – porque reduzimos ainda mais a PCS para transportar apenas 10 bits por símbolo.
Sabedoria convencional: Sempre opere com a taxa de Baud mais alta para maximizar o alcance para cada capacidade
Por que desafiar a sabedoria convencional?
A sabedoria convencional é extremamente convincente em redes terrestres, onde o provisionamento de centenas de serviços em múltiplas rotas em uma rede de longa distância em malha deve ser um processo de “linha de produção” com o mínimo de intervenção manual.
Porém, em um cabo submarino, a capacidade é tão preciosa que vale a pena o esforço de customizar as configurações do transponder para extrair até o último gigabit por segundo.
Por exemplo, se fôssemos projetar um transponder com uma PCS excelente e granular, mas usando apenas uma configuração “alta” ou “baixa” para taxas de Baud perderíamos uma oportunidade para tal otimização, porque frequentemente descobriríamos que um determinado comprimento de onda poderia suportar, por exemplo, 626 Gb/s… ou 642 Gb/s.
Em outras palavras, temos muita granularidade, mas os clientes Ethernet que usam esse comprimento de onda funcionam em blocos de 100 Gb/s ou 400 Gb/s.
A Ethernet de taxa de dados flexível (FlexE) deveria resolver esse problema, mas não está amplamente implementada e, mesmo que fosse, seria complicado para as operadoras submarinas venderem um serviço flexível.
Reduzindo esse sinal para 600 Gb/s e, em seguida, ajustando a taxa de Baud um pouco abaixo da taxa máxima, descobrimos que a largura espectral do sinal se tornará mais estreita e, com canais suficientes em toda a banda, podemos inserir canais extras para usar a capacidade “dispersa”.
Descobrimos que, dessa forma, podemos extrair até 25% mais capacidade de um cabo moderno SDM ou não compensado.
Da mesma forma, existem tipos de cabos nos quais a PCS nem sempre oferece o melhor resultado – especialmente cabos mais antigos e com penalidades não lineares elevadas.
A PCS perde seu charme em uma eficiência espectral PM-QPSK ou inferior, e descobrimos que, na verdade, é melhor desligá-lo e usar modulações fixas não-PCS com características especiais adequadas a essas condições de fibra.
Em alguns cabos desafiadores, extraímos até 50% mais capacidade do que uma implementação somente baseada em PCS.
Os transponders coerentes modernos possuem uma ampla seleção de ferramentas digitais disponíveis para ajudá-los a extrair a capacidade máxima dos cabos submarinos.
Mas, às vezes, é preciso esquecer a sabedoria convencional e pensar fora da caixa – e é preciso fazer isso desde o momento em que os chips do motor óptico são projetados, pois não é possível alterar as funções básicas depois que elas são gravadas em um ASIC.
Ao utilizar estas técnicas, é possível prolongar a vida econômica de todos os tipos de cabos submarinos.