Empreender na Amazônia: muito além do que só vender produtos da região, é preciso cuidar da floresta e das pessoas que vivem nela
22 de setembro de 2022Por Joanna Martins *
Vamos falar sobre a Amazônia e de como fazer a diferença para empreender na região. Mas antes disso, acho importante contar um pouco sobre minha trajetória até chegar ao tema de empreender com sustentabilidade.
Meu nome é Joanna, sou uma das fundadoras da Manioca, junto com meu sócio, Paulo Reis.
A Manioca é uma empresa de produtos alimentícios que nasceu em 2014 com o propósito de levar os produtos e sabores da Amazônia para todo Brasil e mundo, afinal, nem todos no nosso país conhecem e reconhecem a beleza e biodiversidade dessa região tão cheia de vida.
Minha relação com a Amazônia e o amor pelos insumos da região começou há muito tempo, quando eu ainda era criança, com o meu pai, chef Paulo Martins e minha avó, dona Anna Maria, que fundaram o restaurante Lá em Casa e foram precursores do movimento de valorização da gastronomia brasileira.
Com eles, aprendi a valorizar os produtos amazônicos e a querer que pessoas de todos os cantos os conhecessem e os consumissem no dia a dia, como eu.
Nós, que somos de Belém, da Amazônia e região, sabemos o que é o caldo de tucupi, por exemplo, mas saindo daqui, ele não tem a mesma popularidade e acaba se tornando um produto extremamente regional e estranho à maioria dos brasileiros.
Foi assim que surgiu a Manioca, com o propósito de popularizar e produzir alimentos naturais com matérias primas provenientes da região, como mandioca, açaí, cupuaçu, cumaru e feijão manteiguinha.
Tudo começou quando vimos que empreender era nossa vocação e percebemos que podíamos ter a oportunidade de apresentar para as pessoas os produtos, alimentos e sabores da Amazônia.
Mas para nós, nunca foi apenas vender produtos da região. Nosso propósito sempre foi fazer de forma sustentável, com comércio justo, entendendo a realidade do produtor, suas perspectivas e necessidades, para então termos um significado ainda maior.
Para entender tudo isso, é sempre bom lembrar que a Amazônia, quase 59% do território nacional, não é composta apenas por floresta e biodiversidade, nela vivem também 28 milhões de pessoas, e são essas pessoas que vivem aqui, que tem papel fundamental e direto na sua preservação ou sua destruição. Vou te explicar porque desse meu pensamento.
Quando falamos em agricultura e empreendedorismo, acabamos englobando outras questões sociais.
Por mais que a destruição que acontece hoje não seja exatamente feita apenas pela vontade dessas pessoas, pois isoladamente elas não têm tanta força assim, a pressão econômica, o modelo histórico de desenvolvimento do país, a necessidade de renda e a falta de entendimento da importância da preservação e do valor da floresta em pé, muitas vezes levam a população local e o sistema como um todo a trabalharem pela sua destruição.
Por isso acreditamos que só faz sentido empreender na região se for de forma sustentável, ou seja, sendo bom para todos.
Para o planeta, para o consumidor, para manutenção da floresta e de sua biodiversidade, para nós, mas também para quem mora aqui.
Ainda sim, infelizmente, essa preocupação não chega para todos os empreendedores e muitos ainda acreditam que o único modelo de desenvolvimento possível é o que destrói.
Mas posso dizer que para nós, que vivemos aqui, conhecermos a realidade local, usamos mão de obra regional, entendemos as dificuldades da agricultura familiar e das comunidades tradicionais, prezamos por produtos naturais e de qualidade, é muito gratificante gerar negócios de impactos socioambientais na região, que valorizem e elevem a economia. Além de poder ajudar a gerar desenvolvimento e preservação.
Como citei antes, a nossa missão é levar os sabores da Amazônia para o mundo. Com isso, nossa ação direta e principal é o uso de ingredientes da biodiversidade amazônica e investimento no desenvolvimento dos seus produtos e na apresentação deles para o mercado nacional.
Por exemplo o nosso Tucupi amarelo, que é o caldo extraído da mandioca brava. Ele é um clássico, um dos principais ingredientes da cultura alimentar local, um produto alimentar ancestral e totalmente conectado à origem de nosso país e nosso povo, é o carro chefe da marca, mas fomos além, e a partir da tradição, geramos inovação.
Investindo em pesquisa, tecnologia e conhecimento, mudamos sua apresentação, sugerimos novas formas de uso, conseguimos aumentar sua validade de 15 dias para um ano, de forma totalmente natural, e ainda, criamos, desenvolvemos e apresentamos ao mercado novos produtos a partir dele, como o molho de tucupi preto, o tucupi superconcentrado, o molho de pimenta com tucupi e mais recentemente, um snack de tucupi.
Para nós, desde o início, a qualidade dos produtos vem a partir da qualidade do ingrediente. E por isso acompanhamos muito de perto os nossos fornecedores, ajudando no seu desenvolvimento, gerando valor e mostrando para eles que é possível viver a partir da produção e da comercialização desse tipo de produto.
Como nossa preocupação com as comunidades tradicionais são enormes e acreditamos que não só de vendas e produtos se vive uma empresa sustentável, nos conectamos a Rede Origens, que atua diretamente em território protegidos da Amazônia e criamos o Programa Raízes, um projeto para dar assistência aos pequenos produtores, baseado em três pilares: gerar renda, oferecer treinamento profissional e proteger a área florestal onde vivem e atuam.
Dessa forma, essa população produz matérias primas que são ou poderão ser utilizadas pela Manioca e por outros negócios.
Além disso, mantemos o monitoramento de informações sociais e investimos na formalização dos nossos fornecedores para que tenham acesso a direitos ligados à terra e à produção.
Também acompanhamos as áreas em que as comunidades atuam, para proteger a floresta dos riscos de desmatamento, já que nossos fornecedores utilizam essa terra para uma produção sustentável.
Hoje, o Programa Raízes alcança cerca de 10 cidades na Amazônia e ajuda 42 famílias, que produziram mais de 89 toneladas de matérias primas no ano. Utilizamos 20 produtos da sociobiodiversidade amazônica, realizamos mais de R$ 250 mil em compras no ano e mais de 660 hectares conservados por meio da atividade de extrativismo ou produção agroecológica, que não serão derrubados, apesar de serem produtivos.
Talvez, você olhe esses dados e diga, ah, mas isso é muito pouco. Sim, de fato é, considerando a vastidão de nossa região.
E por enquanto é onde conseguimos chegar, mas nossos sonhos não são pequenos e assim como crescemos quase 10 vezes desde a nossa fundação, acreditamos que podemos crescer muito mais para assim gerar cada vez mais impacto positivo, fazendo negócios que sejam bons para todos.
Para mim, pro Paulo e para todos que fazem a Manioca, é uma honra e muito gratificante ser precursor desse movimento, abrindo caminhos para empreendedores locais e mostrando para nós mesmos, para os brasileiros e para o mundo, que é possível fazer diferente, fazer com sustentabilidade e ter resultados positivos e promissores, a partir da Amazônia, daquilo que é nosso e mantendo a floresta, o seu povo e a sua cultura em pé.
Agência Guanabara