Observatório do Clima

15 de outubro de 2022 Off Por Ray Santos
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“É tudo real nas minhas mentiras”, dizia aquela canção do compositor Leoni nos anos 1980. Na última semana, o gabinete do ódio bolsonarista viralizou nos aplicativos de mensagem a fake news perfeita sobre um tema no qual o regime Bolsonaro não resiste a nenhum escrutínio: a Amazônia. Um gráfico de área queimada anual desde 2003 mostra que no governo Lula a Amazônia pegou muito mais fogo do que no governo Bolsonaro. É tudo real. E, ao mesmo tempo, mentira.

“É como comparar mortes por acidente de carro antes e depois da obrigatoriedade do uso de cinto de segurança”, compara o ecólogo Paulo Brando, do Ipam e da Universidade da Califórnia. As queimadas no primeiro governo Lula foram de fato altas, por dois motivos. Primeiro, não havia políticas de controle do desmatamento, o tal cinto de segurança; elas foram criadas justamente na gestão petista, por Marina Silva e sua equipe, e começaram a dar resultado a partir da segunda metade do primeiro mandato. Segundo, durante o governo Lula a Amazônia teve as duas piores secas de sua história, em 2005 e 2010, e um El Niño avassalador em 2007 que aumentou os incêndios mesmo com o desmatamento em queda.

O caráter diabólico das notícias falsas é que elas sempre viajam mais rápido e mais longe que os desmentidos, frequentemente complexos demais para caber em um título. A edição de hoje desta newsletter põe as coisas no lugar.

Boa leitura.

a fake news perfeita

Bolsonarismo usa dados reais, fora de contexto, para atacar gestão ambiental de Lula

Após quatro anos de destruição ambiental sem precedentes no período pós-ditadura militar, parece que os bolsonaristas finalmente cansaram de espalhar mentiras grosseiras como a de que a Amazônia não queima. Desde a última quarta-feira (12/10), circula em redes sociais e no zap um gráfico (imagem do alto) com dados sobre queimadas na Amazônia para tentar te convencer de que o Jair não foi tão destrutivo assim. Os números mostram que a média anual de área queimada no bioma nos três primeiros anos do governo Bolsonaro (65 mil km2) é menor do que nos governos Lula (116 mil km2).

O dado é real, mas a história contada a partir dele é fictícia. A chave para entender a história é o desmatamento: nos últimos três anos, sob Bolsonaro, a área desmatada aumentou 73% em relação a 2018, segundo dados do Inpe. Nos governos Lula, houve queda de 67%, seguida de alta de 12,7% nos governos Dilma e nova queda, de 4,5%, no governo Temer. O cruzamento dos dados de área queimada e desmatada mostra que a devastação avança sobre a Amazônia.

Lula iniciou seu primeiro mandato com desmatamento em alta (foram 21,6 mil km² em 2002) e reduziu a taxa para 7 mil km² em 2010. Já Bolsonaro aumentou o desmatamento de 7,5 mil km² em 2018 para 13 mil km² em 2021, a maior taxa em 15 anos. Foi o primeiro presidente a ter três altas seguidas da taxa desde o início do monitoramento, na década de 1980.

Além disso, durante o governo Lula, a Amazônia foi atingida por três eventos climáticos extremos que causaram extensas queimadas mesmo com o desmatamento em queda. Em 2005 e 2010, a floresta teve as piores secas de sua história, e em 2007 um mega-El Niño fez o fogo se espalhar.

“Depois disso, houve outro evento de seca extrema que durou alguns anos: o El Niño de 2015 e 2016, cujos efeitos foram mais sentidos em 2017. Nesses anos, como o desmatamento não estava tão alto, não chegamos ao limite dos anos anteriores”, diz Ane Alencar, diretora de Ciência do Ipam e uma das maiores especialistas do mundo em fogo na Amazônia.

No governo Bolsonaro o inverso ocorreu: em 2020 e 2021, a Amazônia estava sob o efeito de um La Niña, que aumenta a umidade no bioma. Mesmo assim, o desmatamento explodiu e as queimadas aumentaram. O gráfico de baixo, compilado por Ane Alencar, mostra como as coisas mudam de figura quando os eventos extremos são incluídos.

“O fogo que estamos vendo hoje na Amazônia é muito mais decorrente das práticas produtivas do que do clima. Já na década de 2000, quando houve altas queimadas na Amazônia, o fogo foi muito mais decorrente do clima do que de práticas produtivas”, conclui Alencar.

Na semana passada, mostramos que o desmatamento em setembro teve mais uma alta: de 48% em relação ao mesmo mês de 2021. No primeiro turno, Bolsonaro ampliou os votos em relação a 2018 nos municípios que mais desmatam na Amazônia.
Bolsonero
Bolsonaro equivale a mega-El Niño na Amazônia
Estudo inédito realizado por 30 cientistas brasileiros mostra que o desmonte da fiscalização e da governança ambiental no governo Bolsonaro fez a temperatura subir, as chuvas diminuírem e as taxas de emissão de carbono mais que dobrarem na Amazônia. Comparáveis às consequências de um evento extremo como um mega-El Niño, o “efeito Bolsonaro” significou um aumento de 89% nas emissões de gás carbônico em 2019 e de 122% em 2020, na comparação com a média anual registrada entre 2010 e 2018. A pesquisa, coordenada por Luciana Gatti, do Inpe, é um desdobramento de outro estudo, também liderado por Gatti e publicado na revista na Nature no ano passado, que já trazia dados alarmantes: de 2010 a 2018, a Amazônia emitiu mais carbono do que absorveu, principalmente por conta das altas taxas de desmatamento na parte leste do bioma. “Mas, naquele período, o lado oeste da Amazônia ainda conseguia promover algum equilíbrio, com a floresta absorvendo o carbono resultante das ações humanas”, disse a pesquisadora. Leia mais no site do OC
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