Por Décio Luiz Gazzoni, engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja. Membro do Comitê Estratégico Soja Brasil, do Conselho Científico Agro Sustentável, do Comitê Científico da ABELHA e da Academia Brasileira de Ciência Agronômica

Por Décio Luiz Gazzoni, engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja. Membro do Comitê Estratégico Soja Brasil, do Conselho Científico Agro Sustentável, do Comitê Científico da ABELHA e da Academia Brasileira de Ciência Agronômica

23 de junho de 2024 Off Por Ray Santos
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Os agricultores europeus tinham diversos motivos para protestarem nas ruas, no final de 2023 e início de 2024. Mas, sem dúvida, um dos principais era o temor de uma competição direta na arena comercial do mercado europeu, com os produtos brasileiros.

E esse temor tem fundamento, pois o agro brasileiro é um dos mais competitivos do mundo e, em diversos produtos, o mais competitivo. O que obriga concorrentes a buscarem artificialismos como barreiras protecionistas e subsídios, para não perderem mercados para o Brasil.

            Mas não basta discursar – dizer que somos altamente competitivos – isso é recurso de quem não dispõe de fatos e números para apresentar.

E nós já os tínhamos, mas um “texto para discussão” do IPEA publicado em março de 2024 (bit.ly/3TYKvuD) organiza didaticamente os elementos de discussão no tema. Para o estudo, foram utilizadas as bases de dados da FAO e do Banco Mundial, atualizadas até 2021.

O texto é particularmente importante para o embate de comunicação e negociação internacional, efetuando um comparativo entre países, acerca da sustentabilidade produtiva e do efeito poupa-florestas na agricultura.

Ao longo de 48 páginas – para as quais recomendamos sua leitura – é demonstrada a importância dos ganhos de produtividade no agronegócio, para ocupação dos espaços mercadológicos, com sustentabilidade.

Exportações

O primeiro aspecto que chama a atenção é a consolidação do Brasil como maior exportador líquido de produtos do agro, embora seja o terceiro exportador bruto.

Ocorre que o principal exportador (EUA, US$ 173,7 bilhões) importa quase esse valor (US$172,4 bilhões), tornando-se o 32º exportador líquido.

A Holanda, segundo maior exportador bruto, também importa muitos produtos agrícolas, incluindo o draw back, que é a importação para processamento e reexportação.

E aí vem o Brasil, com exportações de US$101,5 bilhões versus importações de US$12,4 bilhões. Pero Vaz Caminha não escreveu, mas poderia tê-lo feito: “… nessa terra, em se plantando tudo dá!”. E de forma sustentável e competitiva.

            Sim, dá, mas com tecnologia adequada, com oferta de solo e clima, com empresários agrícolas que estão entre os melhores do mundo, com sistemas de produção, atitudes e políticas públicas voltadas para que tenhamos agricultura competitiva e sustentável.

            O Brasil transaciona com, praticamente, todos os países do mundo. Para comparar, o texto do IPEA mostra que os países agroexportadores da Europa transacionaram a maior parte dos produtos agropecuários dentro do próprio continente; Estados Unidos e Canadá também transacionam boa parte do comércio de produtos agropecuários entre si. Apesar da diversidade, seguindo uma tendência da década passada, o agro brasileiro tem como maior destino comercial o mercado asiático, que responde por 64% do valor das exportações.

Florestas

            O setor florestal é pauta recorrente, tanto na mídia, quanto nos discursos de autoridades e ONGs, em especial na Europa. Porém, raramente, os fatos e números brandidos correspondem à realidade. De acordo com o IPEA, o Brasil é o país com a maior proporção de terras preservadas, com 60% de todo o seu território em 2020.

Comparemos com a Europa: preservação de 39%, exceto na Holanda (o segundo maior exportador mundial!), onde esse resultado foi inferior a 20%. Nos Estados Unidos, na China e no Canadá, esse percentual ficou em torno de 35%.

Além das áreas de vegetação nativa, ocorreu no Brasil um crescimento das florestas plantadas, com média geométrica de 5,8% a.a., entre 2000 e 2020. Esse resultado foi o maior entre os países analisados, seguido pelo Canadá (3,4%) e pela França (2,2%).

            O estudo avança no tema ao utilizar um conceito: o Efeito Poupa Floresta (EPF). Trata-se de um índice de impacto da mudança do patamar tecnológico da produção agropecuária, expresso em porcentagem, que mostra a área poupada pelo avanço tecnológico.

Por esse índice, o EPF do Brasil, entre 1990 e 2020, é de 43,2%, medalha de ouro inconteste. Muito atrás surge a Espanha (20,4%), os Estados Unidos (8,9%), a Itália (4,3%) e uma série de países com índices abaixo de 3%. Destaque-se que há casos de índice negativo, como o da Bélgica (-3,3%). Tanto o aspecto Poupa Floresta, quanto a condição de maior exportador líquido do mundo, haviam sido analisados anteriormente em uma publicação da Embrapa (bit.ly/4aAAAAy).

Emissões

            Em uma era em que o mundo é arrastado para a beira do precipício pelas mudanças climáticas (haja vista o que ocorreu no Rio Grande do Sul), não há como falar em sustentabilidade sem reportar-se às emissões de gases de efeito estufa. O Brasil é o terceiro maior emissor do mundo, ainda assim com 17% das emissões da China (1º) e 47% daquelas dos EUA (2º).

Nosso calcanhar-de-aquiles está nas emissões da agricultura e das mudanças do uso da terra, os mais elevados. Nosso desafio é trazê-las para o patamar das nossas emissões de energia (30% das emissões brasileiras), pois todos os demais países apresentam emissões desse setor superiores a 80% de seu total, com picos acima de 90% nos EUA e Alemanha.

            Reduzir as emissões por mudanças do uso da terra é perfeitamente possível. O Brasil pode duplicar sua produção nas próximas décadas valendo-se de incrementos sustentáveis de produtividade por avanços tecnológicos, pela reincorporação de áreas degradadas, pelo uso da mesma área para duas ou três colheitas no mesmo ciclo, e pelo uso de tecnologias como a integração lavoura-pecuária (ILP), entre outras. Sem recorrer a desmatamento.

            O texto do IPEA sublinha que as emissões do setor de energia consistem, preponderantemente, de CO2. Já as emissões da agricultura compõem-se, primordialmente, de metano e de óxido nitroso. As emissões desses gases são mais facilmente controláveis, pelo uso de tecnologias adequadas e sistemas de produção que objetivem a sua redução. Alguns exemplos: a substituição de adubo nitrogenado por inoculação, a eliminação da queima da palhada da cana na lavoura, o uso de biodigestores e a adoção de programas como carne carbono neutro (bit.ly/3TBBzK9).

Trajetória mais sustentável

            Há outras boas notícias que prenunciam um futuro mais promissor. O Brasil lidera o crescimento da produtividade total dos fatores (PTF), tanto por emissões totais quanto por aquelas do setor agropecuário. De 1990 a 2018, a PTF brasileira por emissões totais registrou o maior aumento, com 3,7%. Já de 2010 a 2018, a taxa de crescimento da PTF no país foi ainda mais expressiva, atingindo cerca de 7,4%.

Destarte, o IPEA mostra que o Brasil liderou o crescimento da produção por unidade de emissão de GEE, nas últimas décadas. Por exemplo, em 1990, o Brasil emitia 1 t de carbono para produzir 243 t de produção agrícola. Em 2020, com a mesma emissão, a produção foi de 774 t, três vezes maior. Nenhum outro país do mundo conseguiu algo similar ao obtido pelo Brasil!

            Essa é a trilha que temos que seguir. A soja é um exemplo didático de como reduzir emissões. Praticamente toda a soja cultivada no Brasil utiliza o sistema de plantio direto e a inoculação com bactérias fixadoras de nitrogênio.

O uso de tecnologias como o ILP e Programas de Manejo de Pragas reduzem as emissões. A Embrapa demonstrou que a colocação de apiários nas bordas de lavouras de soja (polinização assistida) aumenta a produtividade média em 13%, sem alteração do sistema de produção, o que significa redução de 13% nas emissões de gases de efeito estufa, por unidade de produto ou de área, e aumento correspondente na renda líquida do produtor, que lhe confere maior resiliência e competitividade. Além de preservar a biodiversidade.

Voltemos às comparações do texto do IPEA. Na Europa, a Política Agrícola Comum (PAC) foca, teoricamente de modo correto, no desenvolvimento sustentável.

Aponta para o aumento da produtividade e da renda dos agricultores, perseguindo o abastecimento de alimentos a preços mais baixos. Em 2019 foi destinado à PAC o valor de € 58,8 bilhões – 36% do orçamento da União Europeia. Do total, 70% são subsídios diretos, que remuneram os agricultores pela preservação ambiental.

Entrementes, as evidências indicam que a PAC não tem sido efetiva para promover a adoção de tecnologias ambientalmente corretas.

Ao contrário, os subsídios pagos ao produtor distorcem o mercado, inclusive induzindo o uso de práticas agrícolas que contribuem com a deterioração do meio ambiente, de acordo com o IPEA. E sequer resolvem o problema da competividade – razão principal dos protestos!

Brasil e o mundo

            A discussão proposta pelo texto publicado IPEA é bem-vinda. Discussões sérias lastreiam-se em fatos e números comprováveis, não em discursos e elucubrações como as que circulam nas redes sociais, sem fundamento técnico ou científico.

            De nossa parte, o texto referenda o que afirmamos há tempos:

1) O mundo tem uma relação de amor e ódio com o Brasil: de amor, porque o Brasil é uma garantia de abastecimento de alimentos, agora e no futuro; de ódio, porque nossa competitividade desloca concorrentes no mercado – e ninguém gosta de perder mercado.

2) O agro europeu não aguenta cinco anos de competição direta com o agro brasileiro, em um ambiente de competição natural, sem protecionismos e sem subsídios.


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