Uma reflexão sobre a propriedade intelectual no contexto das relações de trabalho

24 de junho de 2022 Off Por Ray Santos
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Quais os limites da propriedade intelectual e dos acordos de confidencialidade diante, sobretudo, de um cenário de avanço dos núcleos de inovação nas empresas?

Por Dhyego Pontes *

Considerando a realidade de um mercado altamente digitalizado em que as práticas de inovação ganham força não só no cotidiano de startups, mas também de grandes empresas – inclusive, aliás, por meio de programas de inovação aberta nas quais companhias de grande porte desenvolvem projetos com negócios digitais e que, no Brasil, cresceram mais de 20 vezes entre 2016 e 2020, segundo dados da 100 Open Startups – não é de se espantar que avançam no ambiente de negócios brasileiro os debates em torno da propriedade intelectual sobre a criação de novas soluções.

Limitando-nos especificamente às relações trabalhistas no Brasil, afinal, quem é “o dono” de uma criação/ideia desenvolvida no núcleo de inovação de uma empresa (empregado, empregador ou ambos)? E, estendendo essa discussão, quais os limites para os chamados acordos de confidencialidade no contexto dessas mesmas relações?

Propriedade intelectual à luz de leis trabalhistas

Para responder a primeira pergunta, é indispensável considerarmos algumas das diferentes leis que abordam a questão da propriedade intelectual. Rementendo-nos a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), o artigo 454 aponta que “na vigência do contrato de trabalho, as invenções do empregado, quando decorrentes de sua contribuição pessoal e da instalação ou equipamento fornecidos pelo empregador, serão de propriedade comum, em partes iguais, salvo se o contrato de trabalho tiver por objeto, implícita ou explicitamente, pesquisa científica”.

Todavia, o texto parece insuficiente para abarcarmos, por exemplo, um contexto em que um ou mais colaboradores contribuem com uma ideia dentro de um projeto de inovação. Poder-se-á considerar a ideia de propriedade comum? Para tanto, a Lei nº 9.279/96 oferece uma luz, indicando que sim, mas que “é garantido ao empregador o direito exclusivo de licença de exploração […] (quando) assegurada ao empregado a justa remuneração” e que havendo mais de um empregado no projeto “a parte que lhes couber será dividida igualmente entre todos, salvo ajuste em contrário”.

Aqui vale deixar claro ainda que é importante que as empresas estabeleçam políticas e previsões contratuais claras sobre seus núcleos de inovação e as relações de trabalho nele constituídas, inclusive definindo pontos como a “justa remuneração” de que fala a legislação brasileira, de modo que haja a concordância do empregado sobre os termos e se evitem futuros litígios.

Os acordos de confidencialidade e os segredos corporativos

Mas e quando um empregado sai de uma empresa ou, por alguma razão, vaza informações sobre seus processos de inovação? Como assegurar a proteção a tais dados? É fato que, conforme previsto na CLT, em seu artigo 482, a violação de segredos de uma empresa, por promover a concorrência desleal, pode ensejar um processo de justa-causa; mas e quando falamos de ideias ou projetos de propriedade comum, conforme os descritos acima?

Diante de um terreno tão fluido, complexo e cuja legislação trabalhista ainda parece não acompanhar de modo objetivo as transformações do mercado, é importante que as empresas busquem caminhos e acordos para se proteger, por exemplo, prevendo tal questão no contrato de trabalho. Uma outra alternativa, nesse sentido, são os chamados “acordos de confidencialidade (non disclosure agreements ou NDAs), muito aplicados no contexto da justiça norte-americana e que avançam também no mercado brasileiro.

Todavia, é importante que tais acordos se enquadrem dentro dos limites legais do país, devendo, dentre outros pontos, serem compostos com extrema minúcia jurídica e estabelecendo a extensão/durabilidade dos acordos, bem como, as possíveis sanções que devem considerar o Código Civil Brasileiro.

Vale observar, aliás, que os NDAs vem sendo motivo de debates nos Estados Unidos, haja vista que, em determinados empresas, suas cláusulas têm sido vistas como abusivas ou mesmo motivado denúncias por discriminação e assédio moral. 

Conclusão

Dado todo esse cenário, reforça-se ainda mais a importância de que as empresas busquem suporte especializado, tanto para a estruturação de áreas de inovação levando em conta as relações de trabalho e de propriedade intelectual; quanto para garantir que a busca pela proteção de informações confidenciais da empresa não ultrapasse os limites da legislação brasileira e da liberdade dos empregados, motivando assim litígios e eventuais sanções trabalhistas.

Dhyego Pontes * é Consultor Trabalhista e Previdenciário na Grounds.

Sobre a Grounds

A Grounds é uma empresa de consultoria inteligente especializada em transações societárias. Oferecendo consultoria específica nas áreas contábil, tributária, trabalhista, previdenciária e financeira, o core business da companhia abrange todas as áreas da empresa, se diferenciando assim dos serviços de advogados, por exemplo. A empresa traz ao mercado um novo olhar estratégico sobre o processo de análise fiscal financeira e contábil, e oferece uma visão analítica e integrada com total eficiência. Em sua atuação, oferece projetos de due diligence, consultoria fiscal-financeira e assessoria permanente em vários segmentos de atuação: Investimentos e Private Equity, Energia e Infraestrutura, Serviços, Varejo e Indústria em geral. Saiba mais em: http://grounds.com.br/

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