Idoso mantido há 20 anos em condição de escravo é resgatado em fazenda no Pantanal

22 de julho de 2022 Off Por Ray Santos
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Outros oito trabalhadores foram resgatados em três propriedades rurais da região

Nove trabalhadores foram resgatados em condições de escravidão – Foto: Divulgação / MPT-MS

Glaucea Vaccari , Valesca Consolaro – 22/07/2022 13:00

Dez trabalhadores que eram mantidos em condições análogas à de trabalho escravo foram resgatados de três fazendas localizadas na região do Pantanal, em Corumbá e Porto Murtinho.

Uma das vítimas é um idoso, de nacionalidade paraguaia, de 63 anos, que foi mantido por 20 anos em condições de escravidão, em extrema vulnerabilidade. 

A libertação dos trabalhadores ocorreu durante operação conjunta do Ministério Público do Trabalho (MPT), Defensoria Pública da União (DPU) e Ministério do Trabalho e Previdência,entre os dias 11 e 22 de julho. 

Os dados foram repassados nesta sexta-feira (22), em coletiva de imprensa.

Conforme o MPT/MS, no caso do idoso estrangeiro, ele era o único trabalhador mantido em alojamento precário na Fazenda Matão, onde dividia o espaço com animais e com agrotóxicos.

Ele afirma que nasceu em 1959, mas não tinha nenhuma documentação pessoal.

Em depoimento, o idoso informou que estava nas condições há mais de 20 anos, já tendo trabalhado anteriormente em outra fazenda, do mesmo proprietário.

A fazenda tem área de 4.803 hectares e a principal atividade é a criação de bovinos, contando com 3 mil cabeças de gado.

A propriedade também é destinatária de recursos públicos, de mais de R$ 915 mil, por meio do Funco Constitucional do Centro-Oeste (FCO), com finalidade de aquisição de bovinos.

O idoso e outros trabalhadores bebiam água suja, com resíduos sólidos, e precisavam custear a alimentação.

Caso quisessem consumir carne, também era descontado um valor a mais da remuneração mensal, que era de R$ 1,5 mil.

A saída do local era permitida uma vez por mês, para a cidade de Bonito, que era mais próxima, mas o deslocamento era feito na carroceria de um caminhão da fazenda, em estrada de terra de mais de 130 km, com os trabalhadores expostos a poeira.

Além do dinheiro que tinha inúmeros descontos e a remuneração acabava ficando em valor irrisório, o isolamento geográfico e as condições degradantes, os funcionários não tinham nenhum direito trabalhista, que caracterizam a situação como análoga a escravidão.

Ainda no caso do idoso, também há o agravante discriminatório em relação aos demais trabalhadores, por ser mantido isolado em ambiente insalubre.

Descaso

Ainda segundo o MPT, a situação do proprietário também é agravada pelo fato de receber recursos do FCO, tendo em vista que o acesso a recursos públicos é condicionado ao cumprimento da função social da propriedade.

Conforme o auditor fiscal do trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência, Kleber Araújo e Silva, disse que, após o flagrante, o proprietário da fazenda foi convocado para audiência administrativa, mas demonstrou “total descaso”, o que indica que agiu com dolo.

O procurador do trabalho Paulo Douglas Almeida de Moraes afirma que o fazendeiro se encontrava no Canadá.

“Diante da possibilidade de reparação da situação de abandono e indigência a qual conscientemente submeteu o trabalhador por todo este tempo, crendo na sua impunidade, manteve-se inerte”, avalia.

Os advogados que compareceram recusaram acordo proposto pelas instituições, que previa o pagamento das verbas rescisórias ao trabalhador, relacionadas ao FGTS, férias e 13º durante todo o período de vínculo.

Pelo cálculo, o trabalhador deveria receber R$ 84 mil pelos trabalhos prestados durante as duas décadas, além de indenização no valor de R$ 75 mil, por danos morais.

Sem solução via extrajudicial, o trabalhador foi imediatamente afastado e a questão será judicializada, pleiteando a reparação dos danos morais e materiais.

Outras propriedades

Em outras duas propriedades, localizadas em Corumbá, também foram resgatados trabalhadores.

Um dos trabalhadores atuava como cozinheiro há quatro semanas em uma das fazendas, com promessa de remuneração de R$ 50 por dia, mas não havia recebido durante o mês.

Nestes locais, no entanto, os proprietários das fazendas assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), se comprometendo a pagar R$ 22,5 mil a cada trabalhador flagrado em condições degradantes.

O total de verbas rescisórias é de R$ 180 mil, além de R$ 80 mil de indenização por dano moral coletivo, a ser revertido na compra de equipamentos para o aparelhamento da Polícia Militar Ambiental (PMA).

Os nove trabalhadores foram flagrados em condições degradantes de trabalho, incompatíveis com a dignidade humana, caracterizadas pela violação de direitos fundamentais e que coloquem em risco a saúde e a vida do trabalhador, sendo:

  • jornada exaustiva (em que o trabalhador é submetido a esforço excessivo ou sobrecarga de trabalho que acarreta a danos à sua saúde ou risco de vida); 
  • trabalho forçado (manter a pessoa no serviço através de fraudes, isolamento geográfico, ameaças e violências físicas e psicológicas); 
  • servidão por dívida (fazer o trabalhador contrair ilegalmente um débito e prendê-lo a ele).

Correio do Estado


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