Iphan assina Portaria de Tombamento dos Quilombos no Dia da Consciência Negra

Iphan assina Portaria de Tombamento dos Quilombos no Dia da Consciência Negra

20 de novembro de 2023 Off Por Marco Murilo Oliveira
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Cerimônia acontece nesta segunda-feira (20), na sede do Iphan, em Brasília

Em breve, nascentes de igarapé, ruínas de pedras no meio de matas e roçados de ervas medicinais podem figurar na lista de bens tombados brasileiros com a mesma importância de antigos palácios, fortes e casarões para a história do PaísEsse é um dos efeitos pretendidos pela Portaria do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) que está publicada no Diário Oficial da União desta segunda-feira, 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, para regulamentar um novo instrumento legal de tombamento de quilombos, com seus territórios, elementos naturais e arquitetônicos, práticas e ritos tradicionais.

Com base no §5º do art. 216 da Constituição Federal, segundo o qual “ficam tombados todos os documentos e sítios detentores de reminiscências históricas de antigos quilombos”, a Portaria estabelece as diretrizes para o reconhecimento desses documentos e sítios – incluindo quilombos ainda hoje ativos – como patrimônios culturais do Brasil. Por se basear no texto da própria Carta Magna, será um procedimento mais simples e célere do que o tombamento tradicional, que é regido pelo Decreto-Lei nº 25, de 1937.

A cerimônia que celebra a assinatura da Portaria ocorrerá no auditório do Iphan em Brasília, às 15h, e contará com a presença do presidente da autarquia, Leandro Grass, e autoridades de Estado convidadas. Na mesma cerimônia, ainda será apresentado o Comitê Permanente para Preservação do Patrimônio Cultural de Matriz Africana (Copmaf), criado há dois meses no âmbito do Iphan . A cerimônia será aberta ao público e à imprensa , com transmissão ao vivo pelo canal do Iphan no Youtube.

Diálogo e construção coletiva

“A Portaria é fruto de grande empenho dos nossos servidores, de muito diálogo com diversos órgãos, além de audiências e encontros presenciais com diversas comunidades quilombolas”, diz Leandro Grass.

De fato, a Portaria de Tombamento dos Quilombos começou a ser elaborada há seis meses pelo Iphan, que contou com a colaboração dos Ministérios da Cultura (MinC), da Igualdade Racial (MIR) e dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Fundação Cultural Palmares. Para a redação final do documento, o Iphan ainda o submeteu a uma consulta pública durante 45 dias, por meio de formulário eletrônico, além de participar de reuniões com comunidades quilombolas e entidades representativas dessa população, nas cinco regiões do País. A consulta rendeu 240 contribuições de organizações e indivíduos da sociedade civil – em sua maioria, quilombolas residentes em quilombos.

O texto que está publicado no Diário Oficial da União incorporou algumas dessas contribuições à minuta original, resultando num documento que, segundo a procuradora federal do Iphan Mariana Karam, cria “uma nova forma de tombar, mais direta e objetiva, mas com proteção [aos quilombos tombados] tão forte quanto a do Decreto-Lei”. “Não existe análise de valoração de um bem que já está reconhecido como patrimônio desde a Constituição; não é preciso passar por um conselho consultivo”, diz a procuradora. “Ao Iphan, cabe apenas um ato de natureza declaratória: verificar se alguns requisitos foram atendidos e fazer o reconhecimento da Constituição.”

Pela nova Portaria, podem ser tombados tanto sítios que abriguem vestígios materiais de quilombos já extintos ou documentos que façam referência à memória dos mesmos, quanto sítios ainda hoje ocupados por comunidades quilombolas, que trazem o legado de seus antepassados vivo em suas práticas atuais. São quilombos que seguem existindo como locais de manutenção e reprodução de modos de vida característicos de uma parcela expressiva da população – 1,3 milhão de brasileiros quilombolas, de acordo com o último censo.

A Portaria define também que qualquer pessoa física ou jurídica pode solicitar o tombamento desses documentos e sítios, direcionando o pedido à superintendência do Iphan no estado onde estão localizados. Entre as informações exigidas para a instauração do processo declaratório, é preciso apresentar certidão de autodefinição das comunidades envolvidas como remanescentes de quilombos – documento emitido pela Fundação Cultural Palmares – e, quando houver, relatório de identificação e delimitação territorial emitido ou aprovado pelo Incra.

Prioridade para agendas da população negra

Para a coordenadora-geral de Identificação e Reconhecimento do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização do Iphan, Vanessa Pereira, a assinatura da Portaria de Tombamento dos Quilombos no dia de hoje representa uma renovação das políticas patrimoniais do Estado brasileiro.

“Não há uma conclusão de fato com essa assinatura; na verdade, a Portaria é o começo oficial de uma mudança de postura do Iphan em relação ao patrimônio cultural das comunidades quilombolas”, diz a coordenadora. Ela se refere ao fato de que, até hoje, o Brasil tem apenas um quilombo tombado – o Quilombo do Ambrósio, em Minas Gerais –, em grande medida por conta de uma interpretação estreita da Constituição, segundo a qual o artigo 216 não reconheceria em seu escopo quilombos vigentes ou mesmo aqueles já extintos, mas criados pós-Abolição da Escravatura. “É o início de um novo momento, no qual a gente espera poder avançar nesses tombamentos, seja aumentando significativamente o número de bens tombados, seja verificando se a metodologia que estamos propondo é efetiva”.

Essa verificação é, aliás, um dos pontos expressamente previstos pela Portaria, que determina que o Iphan deve revisá-la dentro de um prazo de 12 meses, por meio de análise de casos concretos e novas rodadas de consultas. “No próximo ano, teremos a oportunidade de corrigir rumos e aprimorar ainda mais essa Portaria, visando contemplar toda a complexidade desse patrimônio”, diz Vanessa Pereira.

Para Leandro Grass, o cuidado com que a Portaria foi construída e está sendo proposta reflete um movimento da atual gestão do Iphan , de “reconhecer e valorizar a cultura de matriz africana, que faz parte da nossa origem e da nossa história”. “É um projeto estratégico alinhado às diretrizes do novo governo, no sentido de priorizar as agendas da população negra brasileira” , diz o presidente .

Até por essa razão, o evento de hoje servir á também como apresentação oficial, para a sociedade, do Comitê Permanente para Preservação do Patrimônio Cultural de Matriz Africana (Copmaf) no âmbito do Iphan. O Comitê visa fortalecer a atuação institucional do Iphan na preservação, promoção e difusão, fomento e capacitação sobre o Patrimônio Cultural de Matriz Africana; além de consolidar diretrizes e práticas institucionais qualificadas e permanentes no tratamento e instrução de processos de trabalho relacionados a este Patrimônio.

Instituído em 20 de setembro de 2023, o Copmaf surgiu a partir de proposta elaborada pelo coletivo de servidores negros do Iphan, como explica Bruna Ferreira, uma de suas integrantes. “Nossa articulação teve início em 2019, a partir do nosso desejo de propor à gestão a realização de um evento alusivo ao Dia da Consciência Negra no Iphan, o que acabou não se concretizando nem naquele ano, nem nos seguintes, até agora “, diz ela . “Por isso, é muito significativo para nós o convite para participar da retomada dessa comemoração , com entregas tão importantes. A regulamentação do tombamento dos quilombos é um marco deste novo momento na condução da política de patrimônio cultural do País.”

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)


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